28 abr

Lutando pela Ética e Moralidade: A prática no Krav Magá e nas Artes Marciais

A princípio, quando iniciei minhas pesquisas para escrever este artigo, tinha o objetivo de identificar e analisar como os valores morais e éticos estão presentes nas artes marciais e no Krav Magá, no cotidiano das aulas, na relação professor aluno, e na formação de bons cidadãos. Porém, a pesquisa me levou a encontrar materiais e pontos que precisam ser expostos e discutidos, que estão diretamente ligados a este assunto, mas que tratam de pontos extremamente delicados, e até, mais importantes.

De acordo com Enrique Severino Roque, em seu livro “O espírito das artes marciais”, as artes marciais estão presentes na história da formação cultural e social de vários países no mundo. Acumularam riquezas do ponto de vista ético e moral que se transformaram em princípios para seus praticantes. No Krav Magá, não é diferente, e na prática, podemos notar que os praticantes percebem a prática como um caminho de vida.

De acordo com o dicionário on-line de Cambridge, “arte marcial” pode ser considerada como “um esporte de forma tradicional de determinada cultura para lutar ou se defender”. No entanto, tal definição falha em fazer justiça à profundidade e amplitude da multiplicidade de artes às quais o termo ‘marcial’ poderia ser aplicado. As artes marciais normalmente têm sua própria história, cultura e etiqueta com práticas que variam em forma e técnica. No entanto, se as artes marciais pudessem ser consideradas como um ritual abrangente e se, como Collins observa, “o ritual interativo é a chave para a micro sociologia, e a micro sociologia é a chave para o que é muito maior” (2004: 3), então pesquisas que enfocam as motivações para praticar uma arte marcial, bem como os benefícios que tal atividade oferece, são valiosas e esclarecedoras.

Em termos de saúde e bem-estar, existe uma infinidade de pesquisas que analisam os benefícios dos diferentes tipos de artes marciais (e do Krav Magá) e da prática esportiva em áreas como confiança, postura, flexibilidade e estresse, para citar apenas alguns. Muito material relacionado a isto, bem como essas pesquisas, pode ser encontradas no livro Martial Arts and Well-being de Carol Fuller.

Em “Reigi: Código de Conduta de um Dojo”, é dito que alguns valores e costumes foram perdidos ao longo do tempo, principalmente em dojo’s ocidentais, onde se tem atitudes de respeitos diferentes (das tradicionais) devido à história e cultura da sociedade. Reigi se refere a regras de etiquetas e é semelhante a um ritual comportamental que parece ter pouca relação marcial, mas bastante importante para o cultivo de valores sociais.

Diz-se, que o artista marcial, ou a pessoa que estuda de certa forma alguns desses caminhos, deve ser melhor que o mínimo necessário. É de se esperar que todos os praticantes de artes marciais e de Krav Magá saibam se defender, e não se limitar apenas ao aprendizado de técnicas, mas também ao aprendizado de filosofia, conduta, ética e etiqueta (bons modos e cidadania).

Mas, algumas vezes, a prática é bastante diferente da teoria. Mentiras, má fé, falsas promessas, falta de comprometimento e falta de respeito com o aluno são só alguns dos pontos mais comuns que ilustram a falta desses valores em alguns dojos e escolas pelo mundo.

Em 2020, o filme “O Grande Dragão Branco” vai completar 32 anos, e continua conquistando fãs de todas as idades. Foi o primeiro sucesso do astro Jean-Claude Van Damme. Ele interpretou Frank Dux, um militar norte-americano que compete no Kumite, um torneio clandestino de artes marciais em Hong Kong. Uma história baseada em fatos reais… Ou não?… Frank Dux realmente teria sido o primeiro ocidental campeão do Kumite, batendo todos os recordes possíveis?

Meses depois do lançamento do filme, o jornal LA Times publicou uma reportagem que desmentiu tudo isso. O jornal foi atrás dos registros no exército e chegou à conclusão de que ele nunca esteve na Ásia. A reportagem não encontrou indícios de que o Kumite tenha existido, muito menos de Frank Dux tenha sido o campeão absoluto com 56 nocautes consecutivos entre 1975 e 1980, como afirma até hoje. Ainda mostrou um recibo indicando que um dos troféus exibidos por ele foi comprado em uma loja de penhores. Dux, escreve para um portal de notícias de Buffalo, nos Estados Unidos, e frequentemente publica artigos em que defende a veracidade dos seus feitos.

Entre tantas histórias, o que podemos verificar aqui, é um desvio no caminho ético, onde uma falsa verdade é utilizada para o benefício próprio do “Mestre”, “Sensei” ou “Patrono”. E até onde esse desvio pode ser algo perigoso ou prejudicial? A parte mais óbvia está nos ensinamentos passados pelos “Mestres”, “Senseis“, “Sempais” ou “Professores” para seus alunos. Ensinamentos não apenas técnicos (que podem ser questionados, a partir do momento que não se tem a certeza sobre a história, origem ou formação deste ou daquele professor), mas também, os ensinamentos para o dia-a-dia, para a formação de caráter do aluno, para o desenvolvimento da sociedade.

Segundo um texto traduzido por Jose Leonardo F. Santos, adaptado do artigo de Wayne Muromoto na Revista Furyu #8 publicada em 1998, podemos encontrar facilmente pessoas que constroem mentiras em cima de mentiras a fim de descrever que elas tem algo mais do que elas realmente são, com o intuito de estender seu controle sobre outras pessoas, seja para ganhar mais dinheiro ou pela necessidade da adulação e adoração, alimentando seu próprio ego, seguindo o comportamento de uma “seita“, que começa geralmente em passos lentos, mas fixos, levados de uma base de quase-normalidade mas que na verdade está conduzindo a insanidade. Analisando várias notícias em diversos meios de comunicação, podemos verificar a existência de grupos fanáticos no mundo inteiro, alguns dos quais estão envolvidos diretamente com o mundo das artes marciais.

Falsos “Senseis” ou “Mestres” (inclusive das artes marciais não-japonesas) constroem histórias, inventam algo e acreditam nas próprias mentiras. Muitos fatores podem levar esses “Senseis” a ter muitos seguidores: podemos partir de uma necessidade básica de que as pessoas precisam seguir alguém que tenha todas as respostas para suas vidas. Ou a falta de um exemplo a seguir. A própria ignorância (geralmente os seguidores são ignorantes sobre a história das artes marciais, e adota as idéias malucas do professor como evangelho). Esses fatores levam normalmente a um ponto bastante obscuro: a submissão cultural e psicológica.

Veja o Exemplo (retirado do site “Aizen Dojo“): “Olhe, nosso mestre Fujiram_na_Kombi, foi o único estrangeiro a aprender JoLay-U-ryu Aikijujutsu de Takeda Sokaku nos anos cinqüenta. Sokaku deu a ele certificados mágicos os quais fizeram dele o Soke do estilo, aí ele voltou para Nova Iguaçu, e ensinou para a bisneta do Sokaku. O que? Prova? Nós não precisamos de nenhuma prova. Você é um reles seguidor de baixo-nível e merece nosso desprezo”.

Se seu professor o trata com ignorância, e espera pela sua adulação e adoração, incentivando seus alunos dizendo que são membros de um grupo com conhecimentos “secretos” ou “especiais” que os farão mais poderosos e “melhores” que o próprio Exterminador do Futuro, muito cuidado! Este é um padrão que faz pessoas susceptíveis sentirem-se bem internamente, dispostas a ignorar ou esquecer o abuso mental e físico que lhe são impostos durante o treino.

Fique realmente desconfiado quando o “Grão Mestre Sensei” diz coisas como, “Oh, ninguém no Japão (ou qualquer outra localidade no mundo) sabe muito sobre mim ou minha escola porque nós éramos uma sociedade secreta, trabalhávamos com parte da inteligência do exército, ou éramos muito bons e especiais, e por isso, estávamos longe dos demais alunos “normais”, treinando em separado. Se o grupo fosse mesmo secreto ou especial, a ponto de ninguém ter ouvido sobre ele, o que o faz pensar que os membros japoneses, que são frequentemente conhecidos por seu comportamento xenofóbico, viriam a ensinar isto a um grupo de estrangeiros de meia-tigela, ou deixar um dos seus levar esses ensinamentos para outros locais, fazendo com que saiam de seu controle ou domínio?

Fique desconfiado, se os certificados e documentos do “Grão Mestre Sensei” existirem, e você tiver acesso a eles, e perceberem que estão marcados com um obscuro e místico caractere estrangeiro que você não conhece. Fique desconfiado se quando você faz perguntas sobre as origens e instruções do seu professor, você recebe respostas como “eu não tenho que lhe dizer sobre isso porque você não entenderia”. Fique desconfiado se a única versão ou fonte da história contada por seu “Mestre” seja ele próprio, ou membros que fazem parte da sua instituição.

Uma vez, veio a público uma cópia de uma carta recebida de um grande mestre que foi indagado sobre suas credenciais. “Eu não tenho que lhe dizer sobre isso, e além disso, todo mundo sabe, eu sou um mestre, assim, se você continuar fazendo perguntas, eu não falarei com você nunca mais”. Este super-hiper sensei também mencionou que ele tirou fotos com astros de filme de artes marciais e com lutadores de full-contact, os quais claramente validaram com assinaturas todas as suas reivindicações.

Quando você apresenta dúvidas e perguntas incômodas, as ações do seu professor exibem um tipo de paranóia, ou um padrão para encobrir a verdade e ele perde a paciência facilmente? As estórias do seu professor sobre as origens do estilo dele mudam sempre que você vem apresentar novos fatos ou mostra algo que coloca em dúvida algum ponto daquela contada por ele? Cuidado!

Esse tipo de comportamento, pode levar a relações abusivas entre professor e aluno, que considera o abuso físico e verbal como parte normal do seu “treino”. Esse comportamento logo se desenvolve para o chamado fanatismo, que pode levar desde a contusões, deslocamentos, e equimoses por resultado do treino até a traumas psicológicos.

No entanto, é evidente que os piores abusos são de certos grupos, e de certas modalidades, mais específicas, principalmente porque não existem muitas informações em inglês para verificar muitas das reivindicações ditas por eles. É suficiente dizer que os Estados Unidos tem mais mestres de algumas artes que em todo o Japão.

A maioria dos grupos e escolas de artes marciais são organizações legítimas, apesar das diferenças administrativas em relação aos seus negócios e as relações interpessoais de professores com os alunos. Mas fique atento ao local que você pretende treinar, e aos sinais que você pode perceber dos “Mestres” e alunos. Verifique as credenciais do “Mestre” e dos Professores. Busque por essas informações em documentos, em várias fontes de informações, de vários lugares no mundo. Busque preferencialmente, pelo nome real do professor, pois seus documentos oficiais não serão assinados ou escritos com seu apelido ou pelo nome pelo qual é conhecido. Não brinque com isso. Antes do que você possa imaginar, pode ser muito tarde para você prosseguir com a sua vida normal, e o estrago já terá sido feito.

A prática do Krav Magá ou de qualquer arte marcial exige cuidado e responsabilidade. No Japão há um ditado que diz que “é melhor gastar três anos procurando por um bom professor do que ocupar o mesmo período de tempo fazendo exercícios com alguém inferior.” (– Yoshi Oida).

Procure sempre saber informações sobre o instrutor, onde ele treina e como foi seu processo de formação para dar aulas. Procure saber a origem da escola e sua metodologia de ensino, se é honesta, competente, respeitável e não tendenciosa. O profissional mal preparado representa um perigo para seus alunos e para sociedade. A função do instrutor de Krav Magá é educar e formar cidadãos do bem, ensinar técnicas de defesa pessoal, ensinando quando e como aplicá-las, desenvolver a autoconfiança e o autocontrole, entre outros. Ao trabalhar o corpo como instrumento de ataque e defesa, libera-se a agressividade, direcionando essa energia de forma sadia e construtiva. Ser rigoroso na escolha de uma escola, é a única forma de garantir que o trabalho realizado trará ao aluno seu desenvolvimento pessoal e também auxiliará para a formação de uma sociedade melhor.